quinta-feira, 4 de junho de 2009

PAPO CULTURAL - Ione Jaeger


DIA DOS NAMORADOS


PEDIDO DE CASAMENTO
Pediu tanto,
tanto pro santo
fez novenas, promessas, tríduos,
seguiu procissão
recorreu a simpatias,
outras magias , benzedeiras, cartomantes, curandeiros,
foi , até , nos barbadinhos. Precisava saber
se alguém lhe cruzaria o caminho do altar.
Sofria de desespero só em pensar:
– Ficarei pra titia?
Queimou velas e mais velas
esperando que o santinho casamenteiro
desse a ela um pretendente que
a pedisse em matrimônio.
Apelou pra Iemanjá no dia dos namorados
(perturbando o namoro da sereia)
na beira do cais gritava:
– Minha Rainha do Mar, escutai-me os lamentos,
fala já pra Santo Antônio ouvir gesticulando
desesperada, descuidada
caiu nas águas, afundou, se afogando.
Salva- lhe um marinheiro
Precisou aplicar respiração boca-a-boca:
– Moça, a donzela me chamou?
– Meu nome é seu Antônio!
– A seu dispor!

Ione Jaeger.
Novo Hamburgo, 11 de junho de 2003
5h57min


P R O C U R A – S E

Encontra-se em lugar incerto e não sabido)


Onde anda um tal amado
fulano bem acanhado
teima em não me ver
Na timidez se anula
se faz surdo, se faz mudo
se esconde, não responde

Amante muito fajuto
tudo fiz, acreditei
que iria aparecer
Foge, não vem a mim
que tanto espera
quem dera, lhe conhecer!

Não precisa ser galã
sou anã, sou pequena
nas exigências do amado
Seja ele um bom sujeito
que ligeiro dê um jeito
na minha ardente carência!

Não quero, porém, um anônimo
antônimo de mim, jamais!
Venha de cara lavada
traga na face gravada
QI, paz, caráter sem mancha
cultura – dote elementar!

Cheque logo, homem, apure!
Não dê despesas ao tempo
na vida se compra o momento
com ágio, ufires e juros de mora
Não demore! Não vacile! Se apresente!
Coragem! Invista! Se atire!


Ione Jaeger - 12/06/00




C L A S S I F I C A D O S

Aluga-se um coração
Situado num peito ardente
Longe da Alameda da Razão
Não é prédio novo
Mas está em perfeito estado
Para receber o novo morador
É amplo. Não tem cercas nem limites
Claro, límpido, transparente, arejado
Sem trancas nas portas e nas janelas.
Música ambiental
O contrato reza:
_ cláusula 1: o prazo de locação deverá ser duradouro;
_ cláusula 2: aluguéis e encargos pagos com fidelidade;
_ cláusula 3: locado, exclusivamente, para um só morador;
_ cláusula 4: permitido depositar material inflamável – paixão;
_ cláusula 5: carta de fiança o juramento de grande amor;
_ cláusula 6: exige-se a caução de um amor eterno;
_ cláusula 7: se a locação encerrar, um dia, pede-se ao locatário
que não devolva as chaves, não apresente quitação de corte de luz, não faça reparos e pinturas. Eventuais estragos serão de difícil e dolorosa restauração. A deterioração decorrente do uso normal,ficará marcada para sempre nesse coração. Não há como devolvê-lo ao estado em que foi locado.Nada faça. Saia na madrugada, devagarinho,no silêncio. Não o faça sofrer mais uma vez!

Parágrafo Único: A locadora exclui qualquer cláusula de ajuizamento de
ação de despejo.
(Tratar direto com a proprietária)
Ione Jaeger - 1995



Primeiro Beijo
Caminhavam de mãos dadas. O sol brilhava forte. Duas da tarde. Dois jovens. Ela quatorze, ele quinze anos de idade. Passinhos miúdos. Dolentes. Despreocupados. Preguiçosos. Mãos coladas. Calados. As ondas batiam forte na amurada. Um curió cantava, suave, no galho do velho tamarindeiro. O vento sussurrava na areia.
Caminhavam de mãos dadas. Um teco-teco fazia evoluções. Rasava. Nada viam. O calor da mão dele emanava para a dela. Percorria os corpos. Circuito. Um menino passou gritando:– "Picolé! De mangaba! Picolé!...” Nem ela, nem ele viu. Nem ouviu...
Caminhavam de mãos dadas. Estavam chegando. À casa dela. Pararam no alpendre. Olharam-se. Nos olhos. Ela suspirou forte. Ele sério. Silêncio. Calados. Sol. Mar. Brisa. O vento tirou notas harmoniosas nas folhas do coqueiro.
De mãos dadas. Calados. Silêncio. Uma galinha besta cocoricou anunciando que havia mais um ovo. À-toa. Os olhos dele nos olhos dela. Os lábios tremeram. Suspiraram. O pensamento era um só – beijemo-nos. Ele desejava. Ela desejava.
Mãos dadas. Olhos fixos. Lábios imantados. Corações toc... toc... Uma nuvem elevou-a. Ele firme. Coragem. Mãos fortemente cingidas. Dedos entrelaçados. Num rádio longínquo, uma valsa. Os lábios se roçaram. Corações toc... toc... Beijaram-se!
O mundo parou!...

Ione Jaeger - Do livro Meteoros Angelicais, Ed. Alcance, POA/RS/BR,1995

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