segunda-feira, 29 de junho de 2009

PAPO DE CULTURA - Ione Jaeger




O COLECIONADOR DE ANÚNCIOS


Nasceu na cidade de Porto Alegre no tempo dos lampiões e do bonde puxado a burro. Viveu em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Esteve preso, sofreu a perda de entes queridos, amou muitas mulheres. Perambulou por bares, cabarés, “dancings”, na busca esperançosa de sentimentos que lhe trouxessem razões de viver. De volta à cidade natal, cansado, partiu para colecionar anúncios de jornais e, nos anúncios, criou sonhos, fantasiou desejos, viveu. Pelos recortes do Correio do Povo – participações de casamentos e nascimentos – descobriu verdades, “vivências e convivências”, um mundo de realidades e histórias, preenchendo de emoções os quartinhos onde morava.

Esse é João Nada da Silveira, personagem central do romance de Demosthenes Gonzalez, O Colecionador de Anúncios, publicado em agosto de 1997- Editora Alcance, 100 páginas, prefácio de Luiz Antonio de Assis Brasil.

Peculiar narrativa, linguagem clara, cativante, fala do nosso quotidiano, prende o interesse do leitor do início à ultima frase:“...deveria chamar-se, verdadeiramente, João Nader da Silveira. Acontece que o escrivão do registro civil era surdo e, em vez de Nader, entendeu Nada. Ironia.” (Assis Brasil – Prefácio)
Demosthenes Gonzales, jornalista, escritor, poeta, compositor, boêmio, nasceu a 25 de agosto e faleceu em 2000, ]trinta e quatro dias antes do seu octogésimo sexto aniversário. Contemporâneo do “camaradinha”, o grande e saudoso Lupicínio Rodrigues, de quem foi um dos seus biógrafos. Freqüentou os meios artísticos e literários até seus últimos dias. Participou com assiduidade do Cafezinho Poético (sarau lítero-musical promovido pela Casa do Poeta Rio-Grandense – CAPORI) desde o primeiro “Cafezinho”, setembro de 1964. Ali o conheci há sete ou oito anos.

Nesses anos que o encontrava no Restaurante Dona Maria, da José Montaury, Porto Alegre, só falei com ele duas vezes: na sessão de autógrafos do livro de contos, Rua Verde – Lições de Cárceres (Restaurante Angra dos Reis POA, abril de 97) e na Casa de Cultura Mário Quintana no dia do lançamento do romance da “vida” de João Nada.

Demosthenes Gonzalez, aposentado, trabalhava no Gabinete da Imprensa da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, ainda em 2000. Sua produção literária, se não foi numerosa na quantidade, é bem ampla na qualidade, “autêntico mestre na arte de escrever” (Nelson Fachinelli).

Para aqueles que gostam da melhor literatura, deixou-nos: Roteiro de um Boêmio – Biografia; Sabedoria de Envelhecer – comportamento; Rua Verde – Lições de Cárceres – contos; O Colecionador de Anúncios – romance; Teoria dos Contrários – poesia; Oficio de Viver – Memórias (publicação póstuma. Estava com data marcada de lançamento quando a morte o surpreendeu).

Demosthenes retrata em O Colecionador de Anúncios o “modo de ser das pessoas pequenas e anônimas, daquelas que não fazem a História, e cujas biografias desaparecem tão logo tenham morrido. São gente que circulam pelos bares, cabarés, dancings, sem esperança maior do que sobreviver até o dia seguinte” (Assis Brasil).

Ione Jaeger - 2002
ionemrj@gmail.com

Um comentário:

  1. coisa boa ler vc Ione!

    Leila Silveira-do outro lado do estado.

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