sábado, 22 de agosto de 2009

PAPO DE CULTURA - IONE JAEGER

P O E M A O B L Í Q U O

Poesia de amor?
Cruzes, não faço mais!
Faço a poesia sem rima
sem métrica, sem estilo, sem par
Não me anima poesia de salão
de alcova, de cozinha, de banheiro
Faço a poesia do carrinho do supermercado
abarrotado, puindo o meu dinheiro,
que é pouco!
Faço poesia, onde não há poesia.
Alguém disse:
(parece que foi Confúcio se
o cérebro confuso não me trai...)
“a educação começa pela poesia...”
Para não ser mal-educada...
bem, deixa pra lá!
Faço poesia!
Poesia do pão dormido – o regime,
adormeço o pão para eu emagrecer
e fico acordada sem sono, barriga vazia,
(que crime!)
Poesia da ida ao banco pra ver a conta
...estourada!
impresso no extrato o saldo
psiu! em vermelho.
O joelho dói
a fila não sai do lugar
Poesia na barbearia
manhã de inverno
(que gelo!)
o gordo careca de sobretudo
terno e cachecol corta o cabelo
Poesia do cara - pau d’água
no bar da esquina
pede a décima primeira saideira
volta pra casa vazia
(a companheira não aguentou!)
Poesia da moça-menina
boneca de louça de “bisquit”
tatuado no seio, feroz dragão
cuspindo desejos de fogo
(não me vê!)
Poesia das rosas vermelhas na calçada
esperando comprador,
a rua apinhada
e o mercador berrando ao meu lado:
“olha o pãozinho de queijo. . . de minas!”

Poesia das sujas calçadas
a mulher agachada,
esmolando,
pedindo perdão
por um mal que eu não fiz!
Poesia, infeliz, alguém conversando
comigo, pintando no tempo vivido
os dias somados – um troço atroz!
- imagens sem causa -
me diz sorridente
simpático, indulgente:
“Poesia da longevidade!”
Ai de mim! Ai de mim, aos setenta!
Aos cem, minha linda, certamente
chamar-me-ás - Matusalém

Ione Jaeger – abril de 2002

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