domingo, 16 de agosto de 2009

PAPO DE CULTURA - Ione Jaeger







A R A T I M B Ó




“Ruas e Praças de Novo Hamburgo Quem é Quem”, livro de autoria do escritor hamburguense Paulo Fleck, proporcionou-me uma agradável e benquista viagem à minha infância. Logo que botei os olhos na palavra aratimbó, fechei os olhos e deixei aflorar felizes sentimentos de lembranças, de saudades, dos meus pais, da vó Candola, da Bahia, da Ladeira da Soledade, Ladeira dos Aflitos, da Baía de Todos os Santos, de tanta coisa memoráveis, indeléveis, escritas nas histórias do livro da minha vida.
No mesmo dia em que deparei com o pequeno fragmento do passado, liguei para o escritor Paulo Fleck. Agradeci a oportunidade dada, a palavra ARATIMBÓ, grafada na página do seu livro. Atesta-se, nesse episódio, a função básica da literatura: “criar, sem pretender a reforma social, nem a salvação das almas, nem a defesa de idéias doutrinárias. Criar em literatura é criar um estilo e, através desse estilo, oferecer uma visão do homem”. (W. Martins). Encontrei nas “Ruas e Praças de Novo Hamburgo” uma visão contemplativa dos caminhos (ruas, avenidas), ao ler a placa de sinalização – ARATIMBÓ, indicando, numa esquina, a alameda florida denominada INFÂNCIA. Palmilhei, passo a passo, as recordações...
Revi o Aratimbó ancorado no cais, aguardando o embarque da família de Oscar Rocha, mulher e filhos, com destino a Maceió. Minha vó Candola, Mariinha, minha tia, meu tio Padre Carlos Fraga no porto nos esperando. A avó saudosa abanava o lencinho branco, bordado em crivo, saudando-nos na chegada, ou na despedida... Revi o comissário Teixeira, roupa branca, botões dourados, nos visitando; revi a expectativa de nós, crianças, vendo o navio se afastar, singrando os mares, cumprindo seu destino; revi a tripulação amiga e senti, até, o cheiro gostoso de óleo queimado, misturado com maresia. Ouvi o marulho das ondas batendo-lhe no casco; ouvi os ruídos das correntes das âncoras, o barulho dos motores ...
Muito viajei no Aratimbó, era o preferido do velho Rocha. Desde minha primeira viagem marítima, 1936, até a vinda para o sul, 1949, meu pai planejava a data com a passagem do Aratimbó em Salvador. Fiz umas sete ou oito - Salvador/Maceió.
Fevereiro de 1949, não foi possível coincidir a data. O amigo Aratimbó passaria em Salvador, um mês depois, em direção ao sul. Por ter que assumir função em Novo Hamburgo, meu pai não pode esperar. Embarcamos num ita – o Itaité. O Aratimbó fez questão de nos “acenar” num adeus. Passou por nós, indo para o norte. Em alto-mar, nas alturas dos Abrolhos. Somente mar, céu e os dois navios.
Anoitecia. Corremos para o tombadilho para admirar qual navio nos cumprimentava – três apitos: dois curtos e um longo. Era o Aratimbó - a Pata, como o chamávamos em família. Era mais largo e mais curto que outros itas e aras, de mesmo calado.
ARATIMBÓ, que é? Nome composto da junção das palavras da língua indígena: ara = pedra e timbó = branca. Pedra branca. O Aratimbó foi desmontado nos anos setenta, quando toda a frota da Companhia Costeira Brasileira de Navegação foi desativada. Os navios ultrapassaram o tempo de vida útil.
- Ah! se os moradores da Rua Aratimbó imaginassem da minha satisfação ao saber que aqui nesta cidade se homenageia um pedaço das lembranças desta baiana saudosa!...

Ione Jaeger – e-mail: ionemrj@gmail.com

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