terça-feira, 7 de julho de 2009

PAPO DE CULTURA - Ione Jaeger




MINHA PRETA


Uma denúncia levou a UPA de Campinas até lá. Encontraram uma cena indescritível. O motorista da perua disse que em seis anos trabalhando na ONG, nunca viu igual.
Uma cachorra vira-lata, preta, porte médio, reduzida a esqueleto, perambulava pelas ruas: trôpega, com a cabeça caída para baixo – não conseguia erguê-la. Presa ao pescoço, por um cadeado, uma corrente grossa (dessas de fechar porteira). A corrente lhe caía entre as pernas, como um segundo e doloroso rabo.

O cadeado grande fixado ao lombo ventral, entre as orelhas, fixava-se, é a palavra certa, estava fixo ao seu corpo, à sua pele, entrava pela pele, que a este se prendia, quase a absorvendo. Bichos começavam a se espalhar pela região. O peso da corrente, e o cadeado preso à carne, lhe impediam de levantar a cabeça. Passos fracos tropicavam na corrente tornando-lhe a jornada mais dolorosa.

Ali estava o retrato da maldade humana. Mas, Deus na Sua misericordiosa e misteriosa sabedoria juntou ao retrato da maldade humana, o retrato do amor incondicional de mãe. A cachorra caminhava acompanhada de uma filhinha, de dois meses aproximadamente. A filhote havia, talvez, sido atropelada, pois a patinha traseira estava dilacerada, não se apoiava no chão.

Pois meus caros amigos, aquela mãe, faminta, com um cadeado lhe comendo as entranhas, uma corrente tropeçando-lhe os passos, fatigada, enquanto caminhava lambia a pata da filha, para amenizar a dor...

Você chorou? Eu choro ao escrever. Naquela hora, a dor maior daquela mãe era o de ver o sofrimento da filha.

Mas não fique triste, chore de alegria e graças às pessoas boas que se preocupam com os animais.

A história não acaba aqui – a filhinha precisou amputar dois dedinhos. Se recuperou, foi adotada por uma família que lhe dará um pouco daquele amor que a mãe a ela devotou ( impossível um amor maior que daquela mãe). A mãe? Através de uma cirurgia, lhe arrancaram o cadeado e a corrente. Foram tratadas as feridas da carne e da alma, por várias pessoas de coração. E hoje? Hoje mora aqui em casa junto com três irmãos de pêlo. Está conosco há três meses. Brinca, como um filhote. Adora roubar as meias do Rogério e levar pra sua caminha. Alias, tudo que cai no chão é dela. À noite, na sala, senta-se a meus pés e fica rasgando velhas revistas da NET (que são dela), até que o sono venha reclamar um dia de brincadeiras e correria com o companheiro inseparável, o Falcão (um boxer branco). Quando acordamos ela nos derruba com a força tamanha que vem se atirar na gente. Nos abaixamos e ela nos enche de beijinhos. É, já aprendeu a dar beijinho, e a roer minha mesa da sala também. Mas isto é outra história...

Ás vezes, "minha preta" senta-se para tomar sol e fica um tempão olhando para o céu, o pescoço bem esticado para cima. Onde vai nessas horas?...


Ana Martha - Campinas/SP

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F L A G E L O S


Grande orador sacro do Brasil, Padre Antônio Vieira, possuidor de extraordinários dotes literários, maior figura do renascentismo em Portugal é autor, dentre outros, do sermão pelo bom sucesso das armas portuguesas contra as da Holanda, pedindo a proteção divina para enfrentar os temidos invasores batavos (1624). No sermão, o Padre Vieira com termos enérgicos, linguagem ousada e “atrevida”, exige de Deus a obrigação de defender a terra baiana. Do púlpito, clama o pregador: por amor dos inocentes dissestes que não era bom castigar a Nínive, mas ... que desgraça é a nossa, que até a mesma inocência vos não abranda, livrando – nos da desumanidade herética.

Sermões, orações, preces, prédicas e... ações mobilizaram o povo, unindo as três raças para melhorar, guarnecer e artilhar os fortes existentes. Salvador transformou-se em verdadeira praça de guerra com mais de mil homens em armas. Catalisados pelo ideal da defesa da terra-mãe, traçaram estratégias, encararam com seriedade o desafio e muniram-se de vontade, coragem e arrebatado amor... Frente a essa audaciosa, intensa e séria defensiva, as forças invasoras capitularam após um ano de investidas agressões à paz. O flagelo da guerra, da violência, encontrou na jovem capital soteropolitana, naqueles dias sofridos do século XVII, alertada cidadela para preservar a segurança da nação que ora firmava seus deveres e direitos de cidadã.

Flagelos, quantos temos anotados na história da civilização? Pragas, pestes, epidemias, calamidades (secas, enchentes, furacões, maremotos, terremotos...), guerras, fome, miséria, massacre do trânsito, doenças sem cura, bombas nucleares, drogas, o desamor.

Hoje, no Terceiro Milênio, vivemos a cruel ferocidade da flagelação da vida urbana, vida civilizada. O homem devorando a humanidade. O homem destruindo o homem, predador da própria espécie. Está na hora de dizer BASTA! Está na hora de pensar sério em nos livrar dessa calamidade social - a violência urbana.
Não acredito que, para alcançar a liberdade de viver, é preciso “combater com pedras e tacapes, facas fuzis e canhões” qual os irmãos baianos nos idos do Brasil – colônia, não! Melhor é procurar, descobrir métodos eficazes, em curto prazo, para viabilizar e executar a advertência do cientista social Ross Stagner: “as ciências físicas atingiram um tal estado de desenvolvimento que todos os homens podem morrer juntos, cabe, agora, às ciências sociais atingirem um tal estado de desenvolvimento de forma que todos os homens possam viver juntos” antes que a humanidade seja ameaçada de um holocausto coletivo.





IONE JAEGER (Ione Maria Rocha Jaeger). Nasceu em Salvador/BA, vive em Novo Hamburgo há 59 anos, faz poesias e outros escritos para cumprimentar a vida. Tem seis livros editados. Premiada no teatro - Melhor Texto Inédito - em NH e no Paraná. Letrista no CD Momentos Reticentes, reggae, gravado pela Banda Mundo Y. Idealizou, criou e fundou a Associação Cultural de Amigos das Artes - ACAART, em NH, 1997. Organizadora da Coletânea Onde os Poetas se Encontram, na III edição.
PATRONA da 24ª Feira Regional do Livro de Novo Hamburgo, 2006. Membro da Academia de Letras, Ciências e Artes Castro Alves, POA/RS – Cadeira nº 19 – Vianna Moog; Membro da Academia de Letras de Ribeirão Preto/SP – Cadeira Augusto dos Anjos. Sócia Correspondente da Casa do Escritor e do Poeta de Ribeirão Preto CPERP/SP; Sócia da Casa do Poeta Brasileiro – POEBRAS e da Casa do Poeta Rio-Grandense – CAPORI. Membro do Clube dos Escritores de Piracicaba/SP, Cadeira Leonor Bonsi Piselli.
Criado em 13/07/06, no Calendário Municipal o Dia do Ativista Cultural, foi escolhida a data do seu nascimento (13 de maio) em homenagem ao Ativismo Cultural que desenvolve há 10 anos.
Professora, Especialista em Educação, graduada em Pedagogia (1974), pós-graduada em MTE (Métodos e Técnicas de Ensino (1979), Faculdade de Educação FEEVALE/ NH. Coordenou o Movimento da Catequese na Catedral Basílica São Luiz Gonzaga de Novo Hamburgo (1991 a 1994) Aposentada – 1983 SEC

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