quarta-feira, 9 de setembro de 2009

DIRETO DO RIO DE JANEIRO - Nelson Tangerini


FALIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL






[Cena de racismo nos anos 1940]





Nestor Tambourindeguy Tangerini


Crônica de Nestor Tambourindeguy Tangerini.


Na foto, o autor da crônica.





Morávamos na Penha, em casa com corredores contíguos, situada entre jardins e quintal, os quais se comunicavam, dum lado; mas a passagem, em que havia portão, trazíamo-la sempre fechada, por causa de irritadiço cão barulhento, ávido de ameaçar a quem nos transitasse pela calçada.



Certa noite, por descuido, deixamos aquele portão aberto, e à vontade o cachorro, que, muito inteligente, só passou para o jardim depois de nos sentir recolhidos ao leito.



Lá pelas tantas, tão intensa era a expansão do animal, agora mais influenciado pela correspondência com os cães da vizinhança, que saí da cama de lençol em punho e com esta peça lhe dei tremenda corrida.



No movimento que eu fizera, o lençol desenrolou-se para cima do muro que separava o nosso do jardim vizinho, e alguém que ali resolvera ficar, num caramanchão, a gozar a frescura até hora alta, tomou-se de tamanho susto, que não conteve estes gritos:



- Ladrão! Ladrão!



Era a empregada.



Em segundos, toda a família no jardim, com vassoura, facão de cozinha e outras armas de emergência; e, num minuto, todo o mundo já no quintal, por informação da doméstica.



O chefe da família, o primeiro a surgir, ainda chegara a tempo de poder concordar com a criada: o ladrão era realmente negro e pulara para o nosso quintal. O filho mais velho, que acorrera logo após o pai, não garantia a cor do larápio, mas tivera a oportunidade de ver um homem saltando o muro. A dona da casa desconfiava de um “criôlo” que vira, pela tarde, na esquina defronte. Até o rondante – a quem não fora preciso chamar, por no momento achar-se no caramanchão com a criada – vira o vulto do ladrão, só não lhe tendo atirado por haver perdido de vista o alvo...



Daí a pouco, todos ao portão de minha casa, e eu e eles, no fundo do meu quintal. Não conseguimos pilhar o larápio...



O caso foi levado ao conhecimento da polícia, havendo-me eu recusado a ir até ao Distrito, sob a alegação de que nada tinha visto.



Dois dias após, o vizinho comunicava-me que a polícia conseguiu prender o ladrão – em Jacarepaguá.





Crônica escrita nos anos 1940, na Penha,



subúrbio do Rio de Janeiro.



Publicada pela 1a. vez no jornal A BATALHA,



VI Série – Ano XXVII – No. 184 – p. 8,



Lisboa, Portugal, nov. / dez. 2000



e, depois, no AAC INFORMATIVO



- Órgão Informativo da Associação Nacional



dos Aposentados dos Correios,



Ano VII – No. 18, p. 4,



Brasília, DF, dezembro de 2000.


nmtangerini@gmail.com, nmtangerini@yahoo.com.br

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