segunda-feira, 3 de agosto de 2009

PAPO DE CULTURA - Ione Jaeger








QUATRO MEIAS
Rudimar Serves



Num distante verão, 1991, dezembro, sol escaldante, chegaste com tua cor caramelada. Nas partes inferiores das pernas, pequenas manchas brancas - MEIAS BRACAS. Idênticas! Nasceste para ser destaque na ninhada. Tinhas um brilho especial nos olhos cativantes! Te escolhi. Ou me escolheste? Jamais saberei.
Teus primeiros dias de vida foram desastrosos, inimagináveis para um cão com menos de uma semana de vida. Parte da orelha esquerda havia desaparecido. Horrível cicatriz no pequeno dorso lombar, mostrava que a vida não lhe fora de brincadeira. Mas mesmo assim sobreviveste. Afinal, eu havia te escolhido. Ou me escolheste! Sei lá!
Tua desastrada chegada ao mundo cão deu-me uma responsabilidade ímpar. Tinha de salvar-te, ajudar-te a sobreviver. O cão que sempre quis!
Teu nome deveria ser único, também.
Aparentavas ter sobrevivido de um ataque de lobos. Claro, era isso, o filme Dança com Lobos estava nas locadoras. Havia no filme um lobo que acabou fazendo amizade com um soldado de espírito indígena! O lobo acabou sendo chamado de "Duas Meias".
Tu, com as quatro patas esbranquiçadas, chamei-te de "Quatro Meias"! Um nome perfeito!
Conviveste comigo e com CHOCOLATE, o outro "mano com quem aprendeste a subir e descer os degraus do novo lar, como os da própria vida! A cicatriz das costas provava isso! A orelha dobrada, mostrava ter dado a ti mais audição e sensibilidade. Ouvias tudo com a alma e o coração. Infelizmente Chocolate partiu cedo, um câncer abreviou-lhe a existência, deixando-te filho único por algum tempo! Isso tornou nossa convivência ainda mais sólida, mais terna, igual a um jogo qualquer, onde o resultado final era um só - tu trazendo a bola na boca como troféu, como a prova do gol, como a prova da nossa amizade! Éramos felizes.
Dias, meses...
Enciumado, quando se é adulto, entende-se certas coisas, Tu aceitaste a chegada intrusa de FLUKI ( na língua indígena, quer dizer, "espírito que anda"). Esse outro meio irmão veio, tal qual cão sem dono. Apareceu na frente do portão, tu como guarda que eras, de fato, me fizeste notar que havia alguém estranho na rua. Ajudaste-me a entender que, do jeito que o cão estava, não sobreviveria muito tempo. Dividistes o pátio, teu pote de água, tua comida, tua bola de tênis, com igualdade, com benevolência, talvez por lembrar de Chocolate.
Anos...
Pesaram na tua existência! A agilidade não era mais a mesma, os dias e as noites eram mais longos, as corridas atrás da bolinha de tênis mais lentas, exaustivas, e o pior, uma taquicardia congênita veio tirar um pouco do prazer de correr e passear pela grama e do brilho dos olhos! Tua casinha ganhou um colchão, feito sob medida, um pouco maior do que aquela almofada que eu usava antes e te permitia dormir sobre ela. A ração foi trocada, outra mais macia, o croc-croc de outrora, audível à distância, era dificultosa tarefa, pois alguns dos outrora dilacerantes dentes, apresentavam falhas na arcada. A gente levava a vida...
Foram inesquecíveis quinze anos. O último verão foi esbaforido, o cansaço te assombrava, incomodava mesmo. E parece que tinha de ser assim, exato no dia certo, como um outono, precisamente no dia e na hora da chegada do outono de 2006, exatamente as 15h45, fui obrigado a abreviar-te o sofrimento. Com uma dor lancinante em meu coração, vi o brilho de teu olhar apagar-se, mas altivamente não os cerraste. Partiste fitando-me diretamente nos meus olhos! Não saberei jamais se entendeste o porquê disso, mas não poderia deixar-te sofrendo, cambaleando, sem se firmar nas patas! Infelizmente tinha de ser assim. Feriste esse meu ja' calejado coração de dono sem cão. Jamais também saberás!
Quatro Meias, durmas eternamente em paz! Foi pouco talvez o tempo, e o que fiz por ti. Ainda devo ter algum tempo para cuidar do FLUKI. Parece que ele ainda não entendeu direito o fato de não estares mais presente!
Saudades, ah! Serão constantes, sofridas, doídas, tristes e choradas. É a vida. Ganha-se algumas, perde-se outras!
Serás inesquecível! Provaste que foi possível extinguir a linha divisória entre cativante e cativado!
Quatro Meias, meu cachorro de estimação!

Adeus!



Rudimar João Servestécnico em áudio/vídeo designer, cinema, teatro. Sócio da ACAART, foi Diretor de Eventos, Coordenou o Projeto Artístico Procissão Luminosa (2005). É natural de Ijuí/RS, reside nesta cidade há muitos anos. Participou na 23ª Feira Regional do Livro de Novo Hamburgo com a palestra: CONCEITUAÇÃO DE CINEMA DIGITAL

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