quarta-feira, 25 de novembro de 2009

PAPO DE CULTURA - Ione Jaeger


Ione Jaeger

O OLHO DE DEUS








– “Olhe, Ione, o olho de Deus vê tudo que você faz, mesmo se você estiver bem escondida, debaixo da cama!”

Criança, eu morria de medo do olho de Deus. Na parede da sala de jantar havia um grande quadro do Coração de Jesus, lindamente colorido, braços estendidos ao longo do corpo. Da palma das mãos saiam halos brilhosos – fachos de luz clareando meu espaço, deixavam-me à descoberta.



Eu tinha desejo de beber o resto do aluá geladinho, beber de um só gole!... Ninguém por perto. Ninguém me olhando. Somente o olho de Deus. Ah! tentação! Furtar um bolinho de um prato cheio, em cima da mesa, estava para esfriar! Queria um só. Sairia correndo para o quintal... Ninguém estava em casa. Só o olho de Deus ... Houve vez, houve sim, que burlei a vigilância. Confesso:



Menti. Jurei para dona Zelinha, minha mãe, que não fui eu quem quebrou a agulha da prestimosa máquina de costura.



Menti. Não cortei um pedaço do tecido branco da fronha que ela bordava. (Pô, eu só tirei um pedacinho!).



Menti. Na mais grave violação aos princípios divinos e ainda jurei em falso. Tremendo em frente ao meu pai, jurei que queria ver a alma que assombrou o pai de Lori, quando quebrei a lanterna nova, comprada naquela tarde. Menina de dez anos, fiquei curiosa para ver como funcionava. Na madrugada, lá estava a alma no canto escuro do quarto, olhando-me dormir. Pulei para a cama da minha irmã. Me entreguei! O olho de Deus viu! Recebi carões, até castigos.



O olho de Deus não permitiu que eu cometesse outros erros.



Na semana passada, numa loja de departamentos, presenciei a detenção de duas mocinhas que furtavam das prateleiras xampu e outros produtos similares. Os seguranças abordaram as jovens conduzindo-as a um lugar reservado. Vimos as mulheres, cabeça baixa, saírem da loja.



Câmaras ocultas filmaram.



O olho de Deus viu.




Ione Jaeger


Campinas/SP - 24/07/04

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