sábado, 26 de junho de 2010

MEUS CONTOS

Marcelo de Quadro



O DIA DO SENHOR


Era domingo, 22 de agosto. Fazia frio e chovia no Vale do Sinos. O rádio do carro informava que as águas do rio dos Sinos estavam chegando com muita força e poderia haver alagamentos preocupantes nas regiões ribeirinhas. Meu carro, um Honda azul escuro, cruzava as avenidas na direção de Campo Bom para Novo Hamburgo. Diminuí a velocidade por causa da pouca visibilidade. O limpador de parabrisa quase não dava conta.


Finalmente cheguei ao destino. Um prédio novo na rua Mundo Novo. Passei pela portaria e entrei, depois da identificação e a confirmação do meu nome na agenda do dia. Subi ao décimo andar. A secretária pediu-me para aguardar um momento. Fez uma ligação, informou sobre a minha presença para alguém do outro lado da linha. Largou rapidamente o fone fora gancho. Ela se levantou e entrou numa sala ao lado da escrivaninha onde trabalhava. Lá de dentro vinha um cheiro de café e cigarro. Meus ouvidos treinados perceberam que havia um ruído de intensa e rápida digitação. Tentei esticar a cabeça para observar melhor. Não vi nada. Somente uma foto emoldurada na parede. Deveria ser do diretor da empresa, pensei. Ou do fundador, alguma coisa assim.

A secretária voltou rápido, parecia nervosa. Sentou a sua mesa de trabalho e, olhando com ar de extremo respeito e surpresa, pediu que eu entrasse por uma porta que dava para um corredor pouco iluminado, ao lado da sala de onde ela recém saíra. Lá estava eu. No fundo deste corredor, uma luz acesa. Uma porta se abriu e um homem sorridente, estatura aproximada de um metro e oitenta, óculos fundo de garrafa, cabelos loiros e encaracolados, barriga pesada. Tudo isso revelava excesso de calorias nas refeições, muito churrasco, como gostam os gaúchos, onde quer que eles estejam, bebidas e outras vantagens de quem desfrutava de renda superior à média de todos os brasileiros. Estendeu a mão e em seguida, instintivamente, abraçou-me.

_ Como vais, Tantor? Perguntou enquanto me convidava a entrar no seu escritório. _ Tudo bem Mc Valle, e tu como estás? _ Tudo ótimo e tenho ótimas notícias. Sente aqui e vamos conversar. Quanto tempo que não nos víamos, hein? _É verdade Mc Valle, ando trabalhando bastante e também tenho viajado pelo Brasil e pelo exterior. Semana passada estive em Israel e na volta passei na Alemanha. Os negócios pedem. _ É justamente sobre isso, Tantor, que eu gostaria de trocar idéias contigo.

Mc Valle continuou falando, entusiasmado, enquanto servia duas doses de Whisky, num balcão, próximo à janela que dava para a avenida, de onde se via a fachada lateral do Centro Administrativo. _ Tenho um projeto fabuloso que vai nos deixar ricos e famosos no mundo inteiro. Mas precisamos trabalhar numa estratégia bem montada.

_ O que é desta vez, Mc Valle? Não posso comprometer a minha reputação e os meus negócios. A minha vida e a minha família dependem disso.

_ Não se preocupe Tantor! É assunto dos grandes. Vai haver cooperação de muita gente importante. Mas nós seremos os cabeças, do início ao fim. Embora, no final, quando todo o jogo estiver funcionando, não precisaremos aparecer ostensivamente. Apenas daremos as coordenadas.

_ Mas que projeto é este? Está tão misterioso!

_ É o seguinte, como tu sabes eu sou físico de formação e também sou professor de eletrônica e minha esposa é PhD em química e biologia. E nós criamos uma maravilha que vai tomar conta do mercado. Para isso precisamos de um contato importante na Alemanha. Mas não é só isso. Tem uma coisa muito interessante que precisa acontecer nesta cidade para o projeto ser um sucesso.

_ Tudo bem, diga lá o que é. Já estou curioso e impaciente!

- Dê uma olhada aqui janela que eu mostro.

Tantor levantou e foi em direção a grande janela de vidro da sala onde estavam. Tinha aproximadamente 65 anos. Uns quinze a mais do que Mc Valle. Profissional responsável e respeitado no mercado e conhecido na região. Além de ter muitos contatos, clientes e fornecedores em vários lugares do mundo. Formado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas, com MBA em Marketing Político. Fala cinco idiomas, além do português do Brasil: inglês, alemão, espanhol, hebraico e mandarim. Morou na Alemanha, Estados Unidos, França e Buenos Aires. Tem duas filhas estudando nos Estados Unidos e um rapaz casado que vive na Nova Zelândia. Hoje tem uma casa em São Leopoldo, próximo à escola de Teologia, onde vive com a esposa, de origem húngara, professora universitária. Além de outras propriedades em diversos municípios da região e uma área de 50 hectares, entre Novo Hamburgo e Taquara, onde cria capivaras entre nogueiras. Olhou pela janela e viu o prédio da prefeitura.

_ Estás vendo este palácio, Tantor?

_ Sim Mc Valle, estou vendo? O que é que tem lá?

_ Nós precisamos ganhar a eleição para prefeito de 2012. E eu já sei quem será o vencedor do pleito.

_ Ahahahah... Como assim? Que negócio é esse! Não estou entendendo. Explique melhor!

_ Nós precisamos ganhar a próxima eleição. Vamos ganhar a prefeitura. Só assim o nosso negócio vai prosperar. Alguém que esteja do nosso lado e entenda a nossa causa. Precisaremos de apoio e dinheiro.

_ Mas quem aceitaria participar de um esquema assim?!

_ Eu já tenho a pessoa certa. Amanhã ele estará em Novo Hamburgo e nós três vamos conversar e acertar uma pequena agenda inicial e esboçar uma idéia de programa para começar.

_ Mc Valle, diga-me uma coisa, eu conheço o candidato?

_ Claro, é um profissional famoso da área de saúde. Amanhã você terá contato com ele. Pode ser às dez horas?

_ Tudo bem, mas quem é a pessoa? Vai deixar-me na curiosidade?

_ Amanhã, dez horas. Vamos tomar um bom café importado e depois de conversar podemos almoçar. Que achas?!

_ Até amanhã, então!

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