quinta-feira, 24 de junho de 2010

DIRETO DO RIO DE JANEIRO - Nelson Tangerini

Nelson Tangerini


PROCURO UM ROSTO PARA RUFINA







Sua face desapareceu no tempo. Soubemos apenas que faleceu na flor da idade, em 1903, quando sua filha caçula, Antônia de Oliveira Soares [futuramente, Antônia Marzullo], tinha apenas 9 anos.



Misteriosamente, suas fotografias desapareceram para todo o sempre. Foram rasgadas? Foram queimadas?



Sou um caçador de fotos da família, um historiador, um memorialista. Gosto de esmiuçar o insondável, o mistério. Coisas de jornalista, de escritor. Aos poucos, vou sendo reconhecido como tal por alguns parentes e amigos. E vou recebendo elogios – e críticas, também.



“Você vive do passado”, dizem os que me não compreendem.



Rufina de Oliveira, filha de Cassiano Cândido de Oliveira Neves e Adelaide Siqueira, foi casada com o português Manuel Gomes Soares, com quem teve duas filhas: Eustáchia [Intá] e Antônia.



Tinha um irmão, Pompeu, - dizem - loiro, alto, elegante, magro, de olhos azuis, que sempre visitava as sobrinhas e todos de seu sangue.



Temos uma foto do “tio Pompeu” - autografada para a sobrinha.



Ele também aparece em outra foto, menino, loirinho, ao lado da avó materna. Na parte de trás, escreveu Antônia: “Minha avó Adelaide e meu tio Pompeu”.



Manuel e Rufina casaram-se e foram morar numa casa espaçosa em Santa Teresa, no Morro dos Prazeres, onde as meninas nasceram e viveram a adolescência. Estudavam num colégio de irmãs no Cosme Velho e iam a pé, caminhando pela Rua Alice. Talvez tenham se esbarrado, um dia, com o seriíssimo Sr. Joaquim Maria Machado de Assis.



O Rio de Janeiro, então capital do Brasil, devia ser mesmo uma Cidade Maravilhosa, um paraíso. As borboletas até preferiam as flores dos jardins da casa do Bruxo do Cosme Velho...



O que conversavam as duas irmãs pelo caminho, em meio a imensa e bela Floresta da Tijuca. Brigavam? Trocavam confissões? Inúmeros pássaros gorjeavam para elas.



Uma ferida na perna da elegante Rufina, causada pelo couro de sua bota, agravaria e comprometeria para sempre a sua saúde.



A ferida nunca fechava.



Segundo Antônia, o pai, que já namorava uma senhora de nome Cristina, não tinha paciência com a esposa.



Em sua ignorância, Manuel achava que era uma doença contagiosa. Não lhe passou pela cabeça que Rufina pudesse ser diabética. Por isto, lavava toda a casa de forma grosseira, atirando baldes de água com sabão no quarto, para debaixo da cama da esposa, que lentamente se despedia das filhas.



Eponina, uma negra tão bonita quando a valsa que tem seu nome, de Ernesto Nazareth, era vizinha do casal, no Morro dos Prazeres - e conheceu Rufina.



A bela senhora, de delicados modos, de caminhar cadenciado, era tia de Maria Amália de Azevedo, a Dindinha, madrinha de Dinorah Marzullo.



Foi Eponina quem apresentou Dindinha à Antônia, e as duas tornaram-se amigas.



E o mistério está aí. Porque Dindinha disse, certa vez, para Nirton Tangerini, neto de Antônia, que Rufina, irmã do branquelo Pompeu, era “mulata”.



O que teria acontecido com os retratos de Rufina? Sumiram porque era mulata? Ou sumiram porque a interesseira Cristina jogou-os fora?



Quem sabe ainda escrevo um complicado romance: “O mistério de Rufina”.



...





Num distante 1943, Dinah vê seu avô, Manuel Gomes Soares, leitor do poeta - também lusitano – Abílio Guerra Junqueiro, mergulhado em seu silêncio e suas confabulações, a andar pela casa com uma corda na mão. O velho estava meio caduco, mas a neta jamais poderia imaginar que ele viesse a se enfocar com aquela corda.



Porque teria se suicidado? Por remorso? Por decepção? Ou porque suas finanças teriam ido pelo ralo?



Em Fortaleza, Ceará, onde estava a trabalho, Maurício Marzullo, seu neto poeta, recebe a notícia, por carta, da morte de Manuel; e escreve, no dia 12 de agosto daquele ano, na terra do romântico José Alencar, um lindo soneto para o avô:





VOVÔ SOARES





Inda não sei por que te foste embora,



deixando a nossa casa abandonada,



a mesma casa, onde a Tristeza mora,



des quando entrou a Dor de cambulhada.





Subiste aos Céus numa tristonha hora,



em que nossa família, dispersada,



a lastimar-se, enternecida, chora



a grande perda para nós causada.





Lutando pelo pão de cada dia,



pois não se vive, eu sei, de caridade,



equidistante, cada qual porfia





- talvez, não suportando a ansiedade,



imerso numa grande nostalgia,



morrendo, Vovozinho, de saudade!...





Logo após a morte do português, a espertalhona Cristina vai à casa de Dinah, na Rua Itapiru, bairro Catumbi, para apanhar uma pasta com documentos do Vovô Soares.



Outro mistério: por que Manuel morava com Dinah e não com Cristina? O que houve com o casal? Estariam separados? Não viviam bem? Por que seus documentos estavam na casa da neta? Por que Manuel jamais falou para as filhas e para os netos sobre posses?



Ainda abalada com a morte do avô, a neta entrega à esposa de Manuel a referida pasta, que continha documentos valiosíssimos.



Cristina, saltitante de alegria, viaja para Portugal e vende uma quinta de propriedade do marido. Pega todo o dinheiro e não dá um tostão às filhas: Eustáchia e Antônia. E desaparece.



As filhas e os netos, por sua vez, “deixaram o barco rolar”...



A vida corre... Anos mais tarde, um bisneto escritor da afrodescendente Rufina procura pelo seu retrato.





Nelson Tangerini, 55 anos, é escritor, jornalista, poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.





nmtangerini@yahoo.com.br, n.tangerini@uol.com.br

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