domingo, 1 de novembro de 2009

PAPO DE CULTURA - Benedito Franco






Benedito Franco



O Governo, além de incluir na cesta básica, deveria lançar a pasta de dente genérica, a escova
de dente genérica e o sabonete genérico...
CORONEL FABRICIANO - Juventude





065 - Quelemente



O Clemente, um preto humilde e simpático, conheci-o na loja de papai. Falava, falava e sorria - um sorriso de cara inteira e de alguém feliz. Também sorria com e de seus pensamentos. Que dentes!

Chegou da roça, empregou-se e se empolgou com o salário recebido - difícil se desfazer de um tostão sequer. Trabalhava na serraria de Sô César – Coronel César - e, parece-me, era bom trabalhador, morando num dos barracões da firma - composto de uma cozinha mínima, um pequeno quarto e, do lado de fora, uma latrina, a casinha, com um chuveiro frio - um cano por onde saía a água - na época, conforto total.

Um dia entrou na loja de papai. Papai puxou conversa:

- Como você se chama?

- Quelemente.

E emendou:

- Tô quereno comprá um pano pra fazê u’a carça e u’a camisa.

Depois de demorar bastante para enfiar a mão no bolso, lá se foi o Clemente levando os panos para a nova roupa, assim como o aviamento (pano para os bolsos da calça, botões e linha). Não havia loja de roupa pronta como há hoje - as costureiras faziam camisas para os homens e os alfaiates as calças e paletós.

Todas as tardes chegava o Clemente com a roupa suja do trabalho.

- Você num vai tomar um banho e trocar de roupa?

- Eu tomo banho toda noite e lavo a minha rôpa. Coloco ela no vará e vô drumi nu, pruquê num tenho ôtra.

Empolgou-se tanto com a nova roupa que jogou fora as, ou a, precárias que tinha e passou a usar só a nova aquisição.

Clemente chegava à loja e estacionava com os dois cotovelos em cima do balcão, as mãos no queixo, e assim ia, calmamente e com voz baixa e meio rouca, soltando sua língua pátria de poucos vocábulos, mas que atraía a muitos, com assunto para todos também.

Quis comprar um guarda chuva. Perguntado o porquê de tanta esbanjação, respondeu: - Pra mim num fartá às aula quando chovê, pois vô entrá na iscola e meu sonho é sê engenhêro pra construí u’a grande ponte de cimento armado, como a que vi nu’a revista.

Comprou o guarda chuva, mas... a chuva sumiu por uns dois ou três meses. Numa tarde escureceu o céu e ele ficou de antena ligada. Passavam-se as horas e nada de chuva. O sono veio e ele adormeceu. Lá pelas tantas da madrugada, começou a chover. Levantou-se, vestiu a roupa ainda meio molhada, pegou o guarda chuva e foi andar pelas ruas. No dia seguinte contou a novidade para o papai, louvando as qualidades e encantado com o guarda-chuva. Acabou descobrindo que o guarda-chuva era também guarda-sol... Com sol ou chuva lá vinha ele armado com seu guarda-chuva.



Ademar de Barros



Outro grande sonho seria votar no Adhemar de Barros, Governador de São Paulo. Um dia iria para São Paulo trabalhar para o Adhemar e lá estudaria e faria a tal grande ponte de concreto – como as pontes da região eram de madeira, nunca tinha visto uma de concreto, a não ser na tal revista. Pedia sempre a alguém para escrever para o Adhemar - político não deixa de responder...

Perto da serraria havia uma coroa – a pedido do Clemente, escrevia as cartas endereçadas ao Ademar de Barros. O Clemente se engraçou por ela, a Anita. Sonhava com ela dia e noite, noite e dia. Clemente mudou de vida, visitando constantemente a loja: começou a gastança! Passou a andar alinhado! Tudo que via queria comprar para a Anita. Só não foi à falência porque ela deve ter segurado um pouco. Apesar de falar na Anita com todo mundo, não se declarou para ela - apenas levava-lhe presentes e mais presentes.

Clemente maravilhava-se com as bicicletas - comprou uma, aprendeu a andar e saía todo orgulhoso e garboso em seu meio de exibição e transporte. Será quantas vezes passou em frente da casa da Anita?

Um dia, como chovia muito, o Clemente quis guardar a bicicleta dentro da venda, mas, como havia muita gente, ficou do lado de fora com o guarda chuva aberto e deitado por sobre ela para que ela não se molhasse.



Em São Paulo



Mandado embora da serraria, ficou com muita raiva do patrão e dizia para os quatro ventos que um dia faria uma ponte de concreto armado e nela colocaria uma placa de bronze "pr’aquele nego fedorento passá e vê que foi feita por um antigo impregado seu" e, com seu nome em destaque, mandaria escrever: "PONTE DE CONCRETO ARMADO FEITA PELO ENGENHÊRO QUELEMENTE". O Sô César era de cor escura e um grande empresário da região.

Clemente mudou-se mesmo para São Paulo, onde arrumou, com a ajuda do Adhemar de Barros, um emprego de faxineiro em uma escola. Durante alguns anos, voltava de quando em vez a Fabriciano para visitar os amigos.

Cursou o segundo grau e aposentou-se como cantineiro da escola onde trabalhava... O sonho de ser engenheiro não diminuiu e muito menos acabou... e sua admiração pelo Adhemar de Barros aumentou.



Benedito Franco



Gostou?... Repasse para os amigos! Veja também: www.paralerepensar.com.br/beneditofranco.htm

Vamos doar sangue? Se você não pode, encaminhe um parente ou um amigo!

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