terça-feira, 3 de novembro de 2009

DIRETO DO RIO DE JANEIRO - Nelson Tangerini


Nelson Marzullo Tangerini






A VOZ GALANTE DE RONALDO LUPO







Quem liga para o número telefônico de Ronaldo Lupo, ainda ouve a voz do Cantor Galante, do compositor de grandes sucessos, do pianista talentoso, do violonista virtuoso e do cineasta sempre inspirado e humorado.




Conheci Ronaldo pessoalmente. Era amigo de Nestor Tambourindeguy Tangerini, meu pai. Com ele escreveu as canções Manon, Não me convém, Vou desistir de namorar, entre outras, e textos humorísticos para a Rádio Clube do Rio de Janeiro, na década de 40 do século passado.



Lupo tinha uma grande ligação com minha família. Quando podia, visitava-nos em nossa casa no distante, longínquo bairro suburbano de Piedade. Minha avó materna, Antônia Marzullo, atriz de rádio [Rádio Nacional], cinema, teatro e televisão, mãe do advogado e poeta Maurício Marzullo, meu tio, e das atrizes Dinah, minha mãe, e Dinorah Marzullo, minha tia, trabalhou em seu filme As aventuras de Chico Valente.




Na foto, o compositor, músico, cantor, humorista e cineasta Ronaldo Lupo.

Estive com Ronaldo Lopovici, filho de judeus romenos, em 1999, em sua casa de Saquarema, Estado do Rio de Janeiro, onde se refugiou, quando eu escrevia o livro Perfil quase perdido – Uma biografia para Nestor Tangerini.



O artista insistiu tanto que eu fosse visitá-lo, que acabei aceitando o convite. Sempre conversávamos por telefone. quando cheguei a Saquarema, numa bela tarde ensolarada de verão, Ronaldo – o mesmo Ronaldo Lupo de sempre – elegante, alegre, sorridente, bem humorado e gentil – me esperava em seu carro na rodoviária e me levaria até sua casa, onde fiquei hospedado e tive mordomias de chefe de estado.



Naquele final de semana, caminhamos juntos pela praia, passeamos de carro, visitei seu ranário e testemunhei o amor com que tratava seus cães e os cães da rua.



O amor e o carinho por Alice Alves, namorada eterna, sua primeira e única paixão, eram ainda os mesmos do início de suas vidas.



Na piscina, conversamos sobre os grandes artistas do passado e do presente – Ataulfo Alves, Grande Otelo, Nat King Cole, Cole Porter, Ray Charles, Rubinstein, Dercy Gonçalves – nacionais e internacionais – e, ali, me confessava sua grande admiração por Nestor Tangerini.



Lembrei-lhe um fato do qual ele já não se recordava mais: o velocípide que ele me deu de presente quando fiz 5 anos de idade. Aliás, o melhor, o mais forte e mais bonito velocípide que tive em minha infância. Lembro-me ainda do presentão dentro de seu carro, uma caminhonete, se não me falha a memória.



Quando me enviou seu cd, gravado aos 91 anos, o que levou Affonso Romano de Sant´Anna a escrever-lhe uma belíssima crônica, publicada no jornal Estado de Minas, Ronaldo me disse que gostaria de gravar outro, com músicas que escreveu de parceria com meu pai. Mas veio a morte de Alice, que muito o abalou. Viriam a tristeza, a saudade da esposa, e a coração de Ronaldo silenciou para sempre.



Ronaldo Lupo nos deixou no dia 18 de agosto último. Sabia, por Renée Lupovici, sua irmã e fã, que ele estava numa cadeira de rodas. Mas achei que A voz galante ainda driblaria mais esse obstáculo.



Posteriormente, soube de sua morte através de uma nota publicada num jornal do Rio. Dias depois, uma biografia sua, escrita pela própria irmã, seria publicada na imprensa, uma vez que nenhum jornalista se lembrou de escrever alguma coisa sobre o grande artista.



Liguei para sua residência de Saquarema, Renée estava no Rio. Liguei, então, para a de Laranjeiras. Ouvi sua voz na secretária eletrônica e, emocionado, deixei-lhe um recado:



- Ronaldo, que bom ouvir a sua voz!



Renée me telefonou, dias depois, e, juntos, falamos de nossas mágoas.



“ - Meu irmão foi esquecido! Ele não merecia isto! Amava este país! Ele deu seu sangue pelo cinema e pela música do Brasil! Ninguém me telefonou! Tive de pôr uma biografia sua no jornal, para que não caísse em esquecimento! – me confessou em prantos e revoltada. E completou: “- Ele gostava muito de seu pai, tinha uma grande admiração por ele!”.



Ronaldo Lupo não deixou apenas uma voz gravada numa secretária eletrônica, deixou filmes, discos, um cd, músicas gravadas por artistas diversos.



No momento em que minha mãe, Dinah Marzullo Tangerini, ex-atriz da Cia Alda Garrido, 88 anos, amiga de sua querida Alice, com Mal de Alzheimer e tumor cerebral, também se despede lentamente deste país ingrato e sem memória, deixo aqui meu depoimento, lembrando frase sua, que retiro de seu cd Para os amigos: “Ninguém é tão velho, que não possa realizar seu sonho”.



Agradecido, Ronaldo Lupo!





Texto escrito em agosto de 2005, antes do falecimento de Dinah Marzullo Tangerini [*1.6.1917 - + 22.10.2005].





Nelson Marzullo Tangerini, 54 anos, é escritor, jornalista, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube de Escritores Piracicaba, SP [ clube.escritores@uol.com ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.





nmtangerini@yahoo.com / nmtangerini@gmail.com

http://narzullo-tangerini.blogspot.com/





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