segunda-feira, 2 de agosto de 2010

PAPO DE CULTURA - Ione Jaeger

Ione Jaeger
CENSO


Ione Jaeger



“A Agência do IBGE em Novo Hamburgo revela que a maior dificuldade vem sendo encontrada nos domicílios fechados...” (Jornal NH - RS, 17/10/2000).



Portas fechadas na contagem da grei ocasionaram que o nascimento de JESUS acontecesse numa estrebaria.



Atendendo o édito do Imperador César Augusto, todo cidadão romano deveria se dirigir à sua cidade de origem para ser recenseado. José, descendente da casa e da família de Davi foi, com a esposa Maria, a Belém se inscrever. Belém, naqueles dias, recebeu muita gente para o alistamento. Não havia vagas nas hospedarias e nenhuma família se dispôs a acolher o singular casal. Portas Fechadas.



Recebi a primeira informação sobre censo, creio aos oito anos de idade, ao ouvir no rádio a música: “... em 1940 lá no morro começou o recenseamento/ e o agente recenseador indagou a minha vida que foi um horror/ vendo a minha mão sem aliança encarou para a criança que no chão dormia/ e perguntou se meu moreno era do samba, se era do batente ou era da folia.../” . Menina curiosa quis saber quem era esse tal agente. Minha mãe explicou-me.

No censo de 1950, uma colega de magistério, agente recenseadora, numa casa foi recebida através da fenda da porta. Identificou-se e a entrevistanda respondeu: “– Volte outro dia, hoje não tenho troco nem pão velho!” Noutra, a “socialite” delicadamente desculpou-se: “– Não estou interessada. Há dois meses adquiri o Tesouro da Juventude!” E fechou a porta.

Em 1996 um recenseador narrava-me as experiências vividas no dia-a-dia. Moradores tinham cuidados extremos antes de abrir a porta dos apartamentos. A senhora idosa pediu que fizesse as perguntas pelo interfone, na rua. Um casal septuagenário depois de tecer críticas ao governo – custo de vida, falta de segurança, descaso com a saúde do aposentado – negou responder o questionário porque não votava mais nem declarava imposto de renda. Na residência de duas irmãs bem anosas (viviam na companhia de meia dúzia de gatos) só lhe permitiram fazer o trabalho do recenseio após um lauto café colonial. E uma professora aposentada, beirando os oitenta, relutou para declarar o ano de nascimento. Pessoas idosas, a maioria senhoras morando sozinhas, contavam toda a sua vida – os pais, os filhos, o falecido, o trabalho – de histórias saudosas. Na casa de uma vovó – retrato de avó de conto infantil – o agente conseguiu entrar no domicílio depois de correr atrás de dois pivetes que, minutos antes, pularam a janela, roubaram a bolsa da vovó, contendo a pensão recebida naquele dia.



A Porta estava aberta.



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Novo Hamburgo, dez/00

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