segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

PAPO DE CULTURA - Ione Jaeger

Mais uma mensagem de natal.



Ione Jaeger



O PRESÉPIO DA VITRINE





Passava, diariamente, em frente àquela loja. Loja de departamentos. Nunca se deteve para olhar a vitrine. Ora estava apressado para chegar no trabalho, ora para chegar em casa. Em casa dormia até ao meio-dia para refazer o sono. No outro turno cuidava dos dois filhos pequenos. A mulher dava aula à tarde numa escola municipal ali mesmo no bairro. Em dez anos de vida matrimonial estava sentindo o peso da rotina da família, da rotina do trabalho (doze anos na mesma empresa, no mesmo serviço), rotina da rua... Novidades? Nada!

Final de novembro. O comércio enfeitava as ruas de apelos coloridos e iluminados para festejar o Feliz Natal. Um senhor idoso, gasto, cansado, desiludido de ideais habitava a alma de José Luís. Amava muito aos filhos e, ainda, admirava e desejava a esposa. E se voltasse a estudar? Concluir o curso interrompido quando casou. Como arrumar tempo para ir à aula? Não podia se queixar de dinheiro, não era lá essas coisas, mas somado ao da Jussara, atendia às necessidades do casal. Não tinha dívidas.

José Luís, trinta e três anos, analista de sistema, cristão, estava em dia e em paz com as obrigações sociais, legais, políticas e religiosas. Ultimamente, pensamentos inquietadores viam-lhe à mente e ao coração. Procurava respostas para as suas dúvidas. Sumir? Deixar tudo para trás? Alguém lhe atiraria a primeira pedra? Dirigindo-se para o trabalho, absorto em divagações, virou o rosto para a vitrine. O que viu? Figuras conhecidas, grandes, montavam uma cena tão familiar para ele! Nenhuma cara nova, imagens de barro antigas (o dedinho do pé do nenê estava esfolado), um boi com ares de boi-da-cara-preta...

O que lhe fez contemplar tanto tempo? Chegou ao destino meia hora atrasado! Por quê? Cada figurante da cena deitou-lhe um envolvente fascínio. José Luís se viu no meio deles, participando do grupo. Ninguém falava, nada diziam, no entanto havia mudo diálogo entre eles.

José, um senhor de barbas, apoiando-se no cajado, comentou:

– Chamemos as crianças sem lar. Que venham dormir ao nosso lado. É melhor que o asfalto frio. O bafo do jumento aquecerá a frieza do abandono. Haverá lugar para todos!

Moça formosa e serena, atendia por Maria, a mãe do menininho da manjedoura dona de uma voz tão suave e maviosa, falou:

– Meu bom guardador de brancas ovelhinhas, escute-me, deixe-as conosco! Olharemos por elas. Vá, por favor, atrás dos quatro adolescentes que passam do outro lado da rua. Converse com eles. Não me alegra ver rapazinhos perambulando na madrugada. È coração de mãe, sabe?

Jovens pastores, observando seus rebanhos, confabulavam:

– O que fizeste pela manhã?

– Acompanhei um casal amigo. Foram às lojas comprar presentes para o Natal.

Um ser estranho, sem cara, corpo, sem espírito, meteu-se na conversa.

– Quem é natal?

– Não sabes?!

– Nunca ouvi falar.

– Celebramos o nascimento do menino.

– Como? Não entendi! A criança vai nascer?

– Não! Já nasceu. Há dois mil anos.

– Por favor, fala moço, que presentes compraram?

– Brinquedos, aparelhos eletrônicos, bicicletas, roupas, jóias, jogos, perfumes, móveis...

– Tinham tanto dinheiro?!

– Fizeram prestações a longo prazo, no crediário, compraram no cartão, cheque pré-datado...

– Este tal menino, que se chama Natal, com dois mil anos, ainda brinca? Anda de bicicleta? Usa jóias? Sabe lidar com jogos e aparelhos eletrônicos? Deve ser um fenômeno! Ainda vive? Onde?

Do alto do telhado, um anjo tocava corneta. Ouviram celestial melodia. Um silêncio pacífico cobriu a paisagem.

Três senhores idosos, sérios – um de pele negra – apareceram em cena. Usavam suntuosos mantos coloridos. Educados, cumprimentaram os presentes, um por um, apertando-lhes a mão.

Uma luz forte brilhou nos céus. Um novo dia acabara de nascer.

José Luís quando se deu conta estava a caminho da firma. Passos lentos, compassados, subiu as escadas.

Na sala de trabalho, janelas envidraçadas, a claridade do sol atestava o verão. Grande luminosidade. José Luís frente ao micro, o olhar fixo no teto, sentia-se estranho, aéreo, leve. Espalmou as mãos sobre o rosto, recostou-se na cadeira, dialogando com os pensamentos:

– Que sonho! Parecia real. Não, não, não foi devaneio. Lembro, eu vivi. Sinto o cheiro de incenso. Aqueles três que chegaram!... Não era sonho! A música da corneta, ainda ouço. Quando tocavam a música, cada um dos sérios senhores distribuiu... colocaram na minha mão direita... o quê?

Qual autômato meteu a mão no bolso da calça. Retirou-a devagarinho. Olhou por demorados segundos a mão fechada.

– Foi verdade! Tenho a prova.

Continuava, num misto de curiosidade e receio, ocultando a certeza da experiência vivida na vitrine.

– Que tenho aqui? O que ganhei? Tenho comigo. É a prova.

– Vamos, José Luís, abra! Acabe com esta aflição! Coragem!

Três minúsculos cartões, coloridos... Em cada, uma palavra gravada:

No rosa – amor e incenso; no vermelho – vontade e mirra; no amarelo – sabedoria e ouro.

– Que significam?

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Ione Jaeger - 2004

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