quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

PAPO DE CULTURA - Ione Jaeger

N A T A L




Ione Jaeger


Patativa despediu-se dos cantinhos da infância, dos companheiros de brincadeiras. Eram muitos. Os segredos, tristezas, dúvidas, alegrias, confidenciava para a amiga ingazeira. No curral, conversou com o potrinho, ganho do Viriato primo da falecida mãe.

Recebeu Dengoso, assim o chamava, no último natal. Nasceu prematuro necessitando de cuidados especiais nos primeiros meses. Patativa, mal o sol nascia, corria entre os pés de resedá e pitanga em direção ao poldril. Levava a mamadeira para o afilhadinho. Dengoso, era dengoso mesmo, quando a menina se aproximava cantando baladas de aboio, antes de aparecer na cancela do alpendre, ele caminhava de um lado para o outro, ansioso a esperá-la.

Dengoso crescia cada dia mais esperto. O adestrador o levaria, brevemente, para uma nova “escola”.

Na manhã seguinte, após os funerais da voinha Pureza, a criança pulou da cama. Ainda haviam estrelas no céu. Parecendo adivinhar que jamais ali voltaria, em silêncio, foi dizer ‘até loguinho” para os parceiros de sua meninice.

Conversava com os amigos falando-lhes baixinho:

– Vou embora. Vou viajar num vapor bem grande. Vou para uma terra que não sei onde é. Vou com uma parenta do voinho. Não gosto dela. Também não gosto para onde vou. Vou sentir saudades de vocês todos. E eu não quero chorar. Nem um pouquinho...

Dizia as últimas palavras com a fala embargada por soluços escondidos, mascarados num sorriso choroso. Abraçava os troncos das árvores, acariciava os caules dos arbustos. Diante do Dengoso, a menina colocou as mãos na cara do cavalinho olhando-o nos olhos. Disse-lhe:

–“Cê” vai ficar um cavalo grande, bonito, famoso... vai se esquecer de mim. Todos os anos quando for Natal, eu vou lembrar de você. Até eu ficar bem velhinha, com os cabelos brancos, feito a finada voinha. Sempre no natal vou receber você de presente. O Papai Noel dos contos da dinda Quita vai trazer um Dengoso para mim... Não, não feche os olhos, não fique triste, é somente de pensar... Seu nome é Dengoso do Natal!

Naquele momento, certamente, um anjo de guarda notou melancólica lágrima brotar nos olhos de Dengoso...

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