quarta-feira, 3 de novembro de 2010

PAPO DE CULTURA - Benedito Franco

Benedito Franco










Depois de receber mais de 1500 emails contra a Dilma – numa campanha sórdida! - e dois contra o Serra, estou livre do horário político!



Façamos votos para que a nova Presidente governe para e com o povo!






008 – Tríplice Ditadura



Ditaduras pra santo nenhum botar defeito!

Deixamos a Tatiana com os tios e padrinhos, meu irmão Antônio Élcio e a Zezé, e no carro “Brasília”, partimos de Foz do Iguaçu - minha esposa, a Fernanda e eu - atravessando o Rio Iguaçu, numa balsa, para a Argentina. Saímos de uma ditadura e adentramos em outra duríssima - terrível no substantivo e no superlativo.

Acabando a travessia, deparamo-nos com a fiscalização dos papéis - coronel do exército exercendo toda a "otoridade ditatorial'. Perguntas as mais diversas, com cara de mau e o rosto parecendo talhado a machado - da longa tortura psicológica passamos ilesos – acho até que ele pressionava para eu reagir...

Seguindo em direção a Pousadas, um fenômeno interessante e impressionante: do lado sul uma nuvem vermelha imensa, tomando o horizonte, e uma ventania fortíssima. Esperei a maior das tempestades - e veio mesmo - mas de poeira vermelha.

Em Pousadas, comi a pizza mais gostosa de minha vida - pizza de cebola - até hoje não entendi como se pode fazer uma pizza deliciosa de cebola. Interessante que outro dia um cliente da loja, conversando com o meu empregado, justamente elogiava essa pizza comida por aquelas bandas.

No interior, três tipos de moedas: o peso, o peso real e o peso legal - o povo do interior falava em "mijones de pesos". O povo mais simples das cidades já tinha se acostumado com o peso mil vezes mais valorizado, o peso real. E o povo da capital usava o peso legal. Se você tomasse um refrigerante, poderia ser cobrado em "dos e medio mijones de pesos", "dos e medio miles pesos reales" ou ainda "dos e medio pesos legales", dependendo da pessoa com quem você falasse ou do lugar onde estivesse - por tudo isso dá para perceber o tamanho astronômico da inflação que grassava no país.

De Pousadas para Corrientes, retas e mais retas nas estradas, uma com quarenta e dois quilômetros, e outras com quase isso. Os postos de gasolina - nafta para eles - simplórios todos, sem calçamento - paga-se para encher os pneus. Pode-se encontrar um restaurante digno da capital e com preços módicos. Nas cafuas ladeando a estrada, de sapê, paupérrimas, vendia-se rapadura de mel - uma delícia.

Chegando a Corrientes, a polícia parou-me, pegou um questionário de dezesseis folhas, fiz questão de contar, e, acintosamente, perguntou-me não sei quantas minúcias e preenchendo tudo com as respostas e com a presteza digna de brucutus ditatoriais - mais de hora em sol escaldante. Gente, como aquela região faz calor!... e no inverno, um frio de lascar!

Corrientes é cidade alegre, com jogos disputados no Rio Paraná. Em um restaurante, pedi vinho e estranharam de eu não solicitar também uma "gasosa" para misturar com o vinho - costume do argentino. Aliás, quando a gente pede um café, vem acompanhado de um copo de "gasosa" - uma água mineral alcalina e super gasosa - daí o nome. Há bombonier e não boteco por lá. Os "Cafés" são muito alinhados, mesmo no interior.

A Fernanda, então com quatro anos, vendo uma vassourinha, pediu-me para eu lhe comprar. Em um domingo, fui à missa, com a Fernanda e a vassoura, não a largava jamais, numa linda igreja antiga. Igreja cheia de fiéis. Fernanda entrou e foi varrendo o centro da igreja desde a porta até ao altar-mor, chegando bem perto do padre que fazia o sermão. Todos olhavam-na compenetrados e sérios e mais séria e compenetrada estava ela com seu "serviço".

Saindo de Corrientes, uma grande ponte. Diziam, com um certo ressentimento, ou constrangimento, que a ponte era a segunda maior da América Latina - só menor que a Rio-Niterói. Na Argentina costuma-se referir-se sempre "ao maior do mundo", em tudo existente por lá. Em se falando de estradas, para os padrões das brasileiras, as argentinas são bem simples. No trevo de entrada da ponte, fui parado por policiais e um oficial convidou-me a ir à guarita, de metal. Fazia um tremendo calor, mais de 40 graus. Deixei a Fernanda e a mãe dentro do carro. O oficial pedia-me "bina". Fiz-me de desentendido e lhe falei não ter "bino" e o blá-blá-blá de "bina" e "bino" durou uns quarenta minutos, dentro da guarita, em um calor sufocante. Desistiu da "bina" e me mandou embora. Depois de um pedágio salgado - não só no Brasil a gente é assaltado nos pedágios (triste consolo, hein!... E aqui não se sabe quem são os privilegiados donos de pedágios, se houve concorrência e quem entrou e quem soube da concorrência! Com certeza o povo nada sabe.). Na saída da ponte, mais policiais armados até os dentes. Desta vez passaram a mão no rosto e nos cabelos de minha mulher, humilhando-nos ao máximo. O negócio é não reagir, advertiram-me antes no Brasil, pois todos de metralhadoras em punho, apontadas para você e com semblantes de deboche.

Na Argentina fui parado, humilhado, espoliado e dissecado por policiais. Mas, um povo maravilhoso, educado e culto, compensando em muito as forças brutas que possuem. Um dos mais belos e diversificados países do mundo - não há dúvidas.

Depois de percorrer o Chaco, para atravessar o Rio Paraguai na divisa para Assunção no Paraguai, fui à Aduana, onde deveria pagar um dólar pelos papéis para passar de um país para outro, conforme lei internacional. Acabei pagando cinqüenta e sete. Quando voltei, minha esposa conversava com um senhor e sua filhinha brincava com a Fernanda. Ele veio a mim, indignado:

- Vamos telefonar para o Quartel General em Buenos Aires e reclamar das barbaridades sofridas pelo Senhor na ponte de Corrientes.

- Que nada, moço. Depois de todos os papéis arrumados, e a um minuto da travessia, vou arranjar mais encrencas com os ditadores?

Não se conformou. Nisso chega da Aduana a esposa. As meninas logo se entenderam e as mulheres também.

Entramos rápido na balsa, cortando o belo Rio Paraguai... encontrando outra ditadura não menos terrível: o Paraguai do General Stroessner...

Em poucos dias, três duras ditaduras: Brasil, Argentina e Paraguai.



Benedito Franco

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