PIO, DE PIONEIRISMO NA MESA
Eu ainda não sei o que aconteceu com o Pio, o poeta, herdeiro do grande Cindinho, o poeta de “Timbaúva”. Você, meu caro leitor, ou minha especial leitora, não conheceu o Cindinho? Olha, eu acho que ainda está para nascer um poeta por estas bandas das Missões de igual tamanho e talento de Gomercindo Medeiros, o dono de um verso de raiz de timbre gaúcho. Preciso de campo para falar dele e de seu trabalho.
Hoje eu preciso falar de seu filho,
o Pio, aquela figura simpática, gentil e inteligente que
comanda a Calzoneria e Pizzaria Água na Boca.
Pois eu disse que não sei o que aconteceu com ele.
Estava eu pacífico ali na esquina da Brasil com a Marechal
num baita papo urbano-filosófico com um amigo.
De repente, saindo de algum lugar próximo, oco
e incerto, ouvi meu nome alto e a bom som, acima
da barulheira dos automóveis.
Era o Pio, na direção de seu opala eterno. Queria me alcançar um folheto.
Junto com o braço estendido, vieram umas palavras
que não me chegaram claras, apenas o suficiente para
saber que havia alguma ligação entre o folheto que
me presenteava e a minha crônica de dois sábados
atrás que levava o dúbio título de “Mulheres, Ovelha e
Mondongo”.
Acho que me xingava. Ou, então, me elogiava. Ou,
quem sabe, me provocava. Na angustiante dúvida,
guardei o folheto depois de um pisco de olhos sobre
ele.
Em casa, com a calma de um eremita, vi que era
mesmo uma provocação, já que o folheto era um banho
de comidas campeiras, muito, mas muito além dos
meus sonhos de mondongos e carré de ovelha em noites
frias de vinhos chilenos. É que me dei conta do que
havia escrito lá na minha crônica, falando de Santo
Ângelo e suas poucas casas de pratos saborosos e
especiais.
Eu dizia:
- Mas é uma pena. Uma pena que não haja uma só
casa que sirva como prato principal ovelha ou mondongo.
Sim, mondongo, bucho, sessenta-folhas.
Quando eu li “Fornos a lenha, Fogão campeiro,
Piavas Assadas, Codornas Assadas, Dourados Assados...”,
oh deuses das esbórnias romanas, eu senti que
minha crônica desmanchava-se como uma carne de
ossobuco num prato de vaca atolada.
E, logo adiante,
miserável que fui, lá estava bem claro, uma “Ovelha
Amoitada”. Mas o que é isso? E eu que nasci chupando
costelinha de ovelha, e que, - como meu filho Mário
César, divido as mulheres em duas espécies: as que
gostam de carne de ovelha e as que não, - como é
que ainda não experimentei a Ovelha Amoitada? Confesso,
morri-me um pouco por dentro.
E, para minha
desgraça, o folheto termina, na parte da frente, com
um apelo impossível, dizendo... “e outras bóias”. Ora,
bóia é sempre coisa pra lambuzar os bigodes. Bóia
cheira a campo!
Mas minha dor não terminaria na parte frontal do
folheto. Atrás, o cardápio de pizzas me ralou até o
último ralo, perdoem-me o trocadilho. Humilhou-me.
Espezinhou-me. Boquiabertou-me. Nunca vi, e não sei
se vou ver, revelações culinárias tão refinadas quanto
espirituosas, além de sacadas culturais que transitam
pela matemática, pela história, pelas ciências biológicas
e, particularmente, pela nossa lídima tradição gaudéria
dos fogões de estância, além das mais grudadas
raízes missioneiras.
Você já comeu uma pizza com o nome Androceu
e Gineceu? Dizem que é altamente afrodisíaca para
ambos os sexos. Ainda mais que a dita pizza traz frango
“salpicado com o coração do próprio”. Mesmo que
você não seja chegado a frango, o fato de haver ali um
coração em pedaços basta para entrar em ação toda
a testosterona ou feniletilamina que resta.
Mas há mais, muito mais. Vejam as pizzas Missões,
Suspiro de Chinoca, Cacambo e Lindóia. Não há nada
mais trágico que o desfecho da história de amor de
Lindóia com o índio Cacambo. Uma pizza meia Cacambo
e Lindóia e meia Suspiro de Chinoca é um idílio
daqueles amores que resistem ao tempo e à saudade,
e duram para toda a vida. Ah, meus dezoito! Per Baco,
que vinho deve acompanhar tão venturosas pizzas?
Mas ainda você não viu nada. O rol de pizzas que
nasceram no berço gaudério é demais. Vai desde Pachola,
passando pela Furo de Bala, Pampeana, Garnizé,
Mal de Lombo, Tomatera, Marguerita, Cor de Cuia,
É o Bicho, Tapera Nova, Lambari de Cacimba, fazendo
volta pelas pizzas de cunho romântico, como Lábios
de Pitanga, Pomar, doce Pomar, Clarão de Lua e outras
muitas.
É, humilhou-me essa barbaridade de pratos campeiros,
onde o meu mondongo estará, sem dúvida,
naquela parte oculta em “e outras bóias”. Nem falei do
Carreteiro do Chananeco, que carreteiro nos fogões
do Pio é um assombro. No entanto, suponho que ele
não vá me servir uma pizza que tem o nome pra lá de
sugestivo para a ocasião de nosso próximo encontro:
“Bah! Rodei”. Não, não rodei. Na minha crônica sobre
“Mulheres, ovelha e mondongo” eu só queria dizer
que, no inverno, dentro de uma Calzoneria e Pizzaria
como Àgua na Boca, do Pio, sentadas a uma mesa
com pratos como Ovelha Amoitada, as mulheres ficam
mais lindas, mais coniventes, mais permissivas e mais,
muito mais sensuais
Mário Simon - Presidente da Academia de Letras de Santo Ângelo
em crônica no Jornal das Missões dia 05 de junho de 2010.
Leila Silveira - Promoter do Água na Boca
sábado, 5 de junho de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário