sábado, 5 de junho de 2010

LEILA SILVEIRA RECOMENDA

PIO, DE PIONEIRISMO NA MESA




Eu ainda não sei o que aconteceu com o Pio, o poeta, herdeiro do grande Cindinho, o poeta de “Timbaúva”. Você, meu caro leitor, ou minha especial leitora, não conheceu o Cindinho? Olha, eu acho que ainda está para nascer um poeta por estas bandas das Missões de igual tamanho e talento de Gomercindo Medeiros, o dono de um verso de raiz de timbre gaúcho. Preciso de campo para falar dele e de seu trabalho.



Hoje eu preciso falar de seu filho,

o Pio, aquela figura simpática, gentil e inteligente que

comanda a Calzoneria e Pizzaria Água na Boca.

Pois eu disse que não sei o que aconteceu com ele.

Estava eu pacífico ali na esquina da Brasil com a Marechal

num baita papo urbano-filosófico com um amigo.

De repente, saindo de algum lugar próximo, oco

e incerto, ouvi meu nome alto e a bom som, acima

da barulheira dos automóveis.


Era o Pio, na direção de seu opala eterno. Queria me alcançar um folheto.

Junto com o braço estendido, vieram umas palavras

que não me chegaram claras, apenas o suficiente para

saber que havia alguma ligação entre o folheto que

me presenteava e a minha crônica de dois sábados

atrás que levava o dúbio título de “Mulheres, Ovelha e

Mondongo”.

Acho que me xingava. Ou, então, me elogiava. Ou,

quem sabe, me provocava. Na angustiante dúvida,

guardei o folheto depois de um pisco de olhos sobre

ele.

Em casa, com a calma de um eremita, vi que era

mesmo uma provocação, já que o folheto era um banho

de comidas campeiras, muito, mas muito além dos

meus sonhos de mondongos e carré de ovelha em noites

frias de vinhos chilenos. É que me dei conta do que

havia escrito lá na minha crônica, falando de Santo

Ângelo e suas poucas casas de pratos saborosos e

especiais.


Eu dizia:

- Mas é uma pena. Uma pena que não haja uma só

casa que sirva como prato principal ovelha ou mondongo.

Sim, mondongo, bucho, sessenta-folhas.



Quando eu li “Fornos a lenha, Fogão campeiro,

Piavas Assadas, Codornas Assadas, Dourados Assados...”,

oh deuses das esbórnias romanas, eu senti que

minha crônica desmanchava-se como uma carne de

ossobuco num prato de vaca atolada.

E, logo adiante,

miserável que fui, lá estava bem claro, uma “Ovelha

Amoitada”. Mas o que é isso? E eu que nasci chupando

costelinha de ovelha, e que, - como meu filho Mário

César, divido as mulheres em duas espécies: as que

gostam de carne de ovelha e as que não, - como é

que ainda não experimentei a Ovelha Amoitada? Confesso,

morri-me um pouco por dentro.

E, para minha

desgraça, o folheto termina, na parte da frente, com

um apelo impossível, dizendo... “e outras bóias”. Ora,

bóia é sempre coisa pra lambuzar os bigodes. Bóia

cheira a campo!

Mas minha dor não terminaria na parte frontal do

folheto. Atrás, o cardápio de pizzas me ralou até o

último ralo, perdoem-me o trocadilho. Humilhou-me.

Espezinhou-me. Boquiabertou-me. Nunca vi, e não sei

se vou ver, revelações culinárias tão refinadas quanto

espirituosas, além de sacadas culturais que transitam

pela matemática, pela história, pelas ciências biológicas

e, particularmente, pela nossa lídima tradição gaudéria

dos fogões de estância, além das mais grudadas

raízes missioneiras.

Você já comeu uma pizza com o nome Androceu

e Gineceu? Dizem que é altamente afrodisíaca para

ambos os sexos. Ainda mais que a dita pizza traz frango

“salpicado com o coração do próprio”. Mesmo que

você não seja chegado a frango, o fato de haver ali um

coração em pedaços basta para entrar em ação toda

a testosterona ou feniletilamina que resta.

Mas há mais, muito mais. Vejam as pizzas Missões,

Suspiro de Chinoca, Cacambo e Lindóia. Não há nada

mais trágico que o desfecho da história de amor de

Lindóia com o índio Cacambo. Uma pizza meia Cacambo

e Lindóia e meia Suspiro de Chinoca é um idílio

daqueles amores que resistem ao tempo e à saudade,

e duram para toda a vida. Ah, meus dezoito! Per Baco,

que vinho deve acompanhar tão venturosas pizzas?

Mas ainda você não viu nada. O rol de pizzas que

nasceram no berço gaudério é demais. Vai desde Pachola,

passando pela Furo de Bala, Pampeana, Garnizé,

Mal de Lombo, Tomatera, Marguerita, Cor de Cuia,

É o Bicho, Tapera Nova, Lambari de Cacimba, fazendo

volta pelas pizzas de cunho romântico, como Lábios

de Pitanga, Pomar, doce Pomar, Clarão de Lua e outras

muitas.

É, humilhou-me essa barbaridade de pratos campeiros,

onde o meu mondongo estará, sem dúvida,

naquela parte oculta em “e outras bóias”. Nem falei do

Carreteiro do Chananeco, que carreteiro nos fogões

do Pio é um assombro. No entanto, suponho que ele

não vá me servir uma pizza que tem o nome pra lá de

sugestivo para a ocasião de nosso próximo encontro:

“Bah! Rodei”. Não, não rodei. Na minha crônica sobre

“Mulheres, ovelha e mondongo” eu só queria dizer

que, no inverno, dentro de uma Calzoneria e Pizzaria

como Àgua na Boca, do Pio, sentadas a uma mesa

com pratos como Ovelha Amoitada, as mulheres ficam

mais lindas, mais coniventes, mais permissivas e mais,

muito mais sensuais







Mário Simon - Presidente da Academia de Letras de Santo Ângelo

em crônica no Jornal das Missões dia 05 de junho de 2010.





Leila Silveira - Promoter do Água na Boca

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