sexta-feira, 4 de março de 2011

DIRETO DO RIO DE JANEIRO - Nelson Tangerini]

Nelson Tangerini












EXPIROU NESTOR TANGERINI




Compositor, Teatrólogo, Poeta, Humorista,

Jornalista e Professor de português –

Sucumbiu aos 71 anos de idade.



Texto de Aldo Cabral

Aldo Cabral


Chamava-se Nestor Tambourindeguy Tangerini, mas usava apenas o nome autoral de Nestor Tangerini, e faleceu a 30 de janeiro último, numa enfermaria do Hospital dos Servidores do Estado da Guanabara, vencido que fora, afinal, por uma bronquite atroz

Tangerini (como era conhecido na intimidade) e que nasceu em Piracicaba, no Estado de São Paulo, em 23 de julho de 1895, iniciou o curso primário em Manaus (Amazonas) e terminou-o em Belém, no Estado do Pará.

Aqui, no Rio de Janeiro, freqüentou o Mosteiro de São Bento e tirou os preparativos no Colégio Pedro II, parceladamente; mais tarde, cursou Farmácia e Direito.

Além de compositor (vinculado à U.B.C.), Tangerini era, também, bom teatrólogo (revistógrafo), ótimo poeta, humorista notável, jornalista de pouca militância e respeitável professor de português, tendo sido muito forte em sintaxe.

Como teatrólogo, deixou vários trabalhos que foram apresentados nos nossos teatros de revista, ocorrendo-nos, nesta oportunidade, enumerar as seguintes peças de sua co-autoria: “Tudo pelo Brasil” (com Luiz Leitão); “Cadeia da Sorte”, “Na boca da Hora” e “Lição Doméstica” (estas com Aldo Cabral) e muitas outras, que o tornaram conhecido (também combatido) no meio teatral, pois era uma espécie de espantalho aos “J. Maia” e outras “nulidades” que ainda infestam os nossos palcos. (Mas isto é assunto para a “SBAT”).

É de Nestor Tangerini o mais rápido “Sketch” que se conheceu, e que figurou em sua revista “Estupenda!”, levada a cena no Teatro Carlos Gomes desta cidade, em 1937, explorada, então, pela Cia. Jardel Jércolis. A cena passa-se na sala de operações de um hospital, onde se vê o paciente sobre a mesa, ainda sob à ação da anestesia, com uma das pernas amputadas à altura do joelho. Ao lado do paciente, o médico que acabara de fazer-lhe a amputação da perna, e, à cabeça do paciente vêem-se o médico-auxiliar e a enfermeira. Após um instante, o médico-auxiliar diz, baixo, à enfermeira: “Acho que o doutor enlouqueceu”. E o médico, virando-se rápido, para ambos, grita-lhes, irritado: “Loucos estão vocês! Por que não me disseram que o caso era de apendicite?” (Pano)

Poeta como poucos, Tangerini versejava em qualquer gênero, sempre espontâneo e correto. Eis alguns de suas quadras, muito bem feitas:



Lírico:



A vida já quis perde-la,

e hoje aquero prolongar;

encontrei a minha estrela

na noite do teu olhar.



Malicioso:



O esposo se aborreceu

com sua linda senhora

que num maiô se meteu

- ficando toda de fora.



E irônico:



O meu lar é muito meu,

embora igual a qualquer;

quem manda nele sou eu

- depois de minha mulher.



No terreno do humorismo, sentíamo-lhe o pulso firme em “flashes” como este:



- Quer casar comigo, senhorita? Eu já estou ganhando o salário mínimo.

- Ora, isso não dá nem para os meus lenços.

- Não faz mal: eu espero para quando você ficar boa da gripe.



Fortíssimo como professor de português, observamo-lo, por várias vezes, a corrigir, elegantemente, os seus amigos quando estes incorriam em erros crassos através de frases comuns no diálogo do quotidiano. Assim, ouvíamo-lo, de quando em quando, explicar, paciente e amigavelmente: Não se diz “água de flor de laranja”, e sim “de flor de laranjeira”, pois a planta é que dá a flor e não o fruto. Também não se deve dizer: “Tenho ódio dele”, mas, sim, “Tenho-lhe ódio”. Quem tem ódio, tem-no a alguém e não de alguém. É errado dizer-se “o doente está muito grave”; correto é dizer-se “o doente está muito mal”. E complementava: as doenças é que podem ser graves, não os doentes. Mais um erro comum: “Aquele bandido tem morto muita gente”. O certo é substituir-se “morto” por matado. “Morto” e “morrido” são particípios do verbo morrer. O particípio passado de “matar” é “matado”. Dizer que o bandido “tem morto muita gente” equivale a dizer que ele tem “morrido muita gente”.

E como compositor, embora letrista talentoso, compôs, apenas, meia dúzia de obras, pouco divulgadas, como por exemplo “Manon” (Valsa de parceria com Alice Alves, esposa de Ronaldo Lupo, que a gravou) e “Dona Felicidade” (Valsa de parceria com Benedito Lacerda), um primoroso poema constituído de seis quadras, que publicamos ao lado.

Nestor Tangerini, que foi sepultado em jazigo da família no Cemitério São João Batista, deixa viúva (Dona Dinah) e três filhos (Nirton, Nirson e Nelson) e um grupo de amigos que pranteiam o seu passamento mas continuam cultivando o que de bom aprenderam com ele.



Dona Felicidade



Valsa – de Benedito Lacerda e Nestor Tangerini



No País da Fantasia,

que habitei na mocidade,

eu também quis, certo dia,

ver Dona Felicidade.

Enveredei pela Estrada

da Esperança, e em meio, então,

mais linda do que a Alvorada,

encontrei Dona Ilusão.



Perguntei-lhe logo, a ela,

se onde morava sabia

- a criatura mais bela

do País da Fantasia.

E a Ilusão, gesto risonho,

mostrou-lhe, numa colina

da Cordilheira do Sonho,

uma casa pequenina.



Prossegui na caminhada,

e, cansado, mas ufano,

bato à casinha indicada,

onde um velho, o desengano,

me atendeu com gravidade

à informação que pedi:

- A Dona Felicidade

Já não mora mais aqui.





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Embora não tenha assinado seu nome no artigo, este texto foi escrito pelo compositor, jornalista, poeta e teatrólogo Aldo Cabral para o Revista da U.B.C. (União Brasileira de Compositores), os. 13 e 14, Ano XXIV, No. 82.

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O presente texto continha alguns erros de data e informação e foi corrigido por Nelson Marzullo Tangerini, filho mais novo de Nestor Tambourindeguy Tangerini.



nmtangerini@yahoo.com.br, nmtangerini@gmail.com



http://nelsonmarzullotangerini.blogspot.com/

e

http://narzullo-tangerini.blogspot.com/





OBS.:

Nestor Tangerini era fumante e foi mais uma vítima do cigarro: um câncer de pulmão matou-o no dia 30 de janeiro de 1966.

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